domingo, 27 de abril de 2014

VIAGEM AO SAPUCAIAL por Elmar Carvalho

VIAGEM AO SAPUCAIAL- é uma crônica de autoria do Dr. Elmar Carvalho-Juiz de Direito, escritor e membro da Academia Piauiense de Letras do Piauí e da ACALE-Academia de Arte e Letra de Campo Maior. Ele escreveu após um passeio ao sítio do amigo Edson Paz.

 Desde que o meu cunhado Zé Henrique ainda era vivo que eu pretendia visitar o nosso amigo comum Edson Paz em sua fazenda Sapucaial. Portanto, já lá se vai quase uma década. Por motivos diversos fui adiando essa viagem durante esse tempo. Ao me encontrar com o seu parente e amigo Alfredo da Paz Neto falei-lhe desse meu projeto há muito acalentado. Manifestou-me ele o desejo de fazer parte dessa excursão ao Sapucaial. Fez ele os contatos telefônicos e pessoais com o seu primo Edson, e finalmente executamos esse desiderato no domingo passado.
Seguimos eu, meu irmão Antônio José, José Francisco Marques, Alfredo e Diogo Paz. Quando chegamos à bela sede do aprazível sítio, o Senhor de Sapucaial já nos esperava com um delicioso churrasco de carne bovina, caprina e suína, sem embargo de uma cerveja lucidamente gelada e outras iguarias. O Zé Francisco preferiu a companhia do velho pirata Gran Montilla, com o seu indefectível olho vendado e o inseparável papagaio empoleirado no ombro.
A alegria dos expedicionários foi contagiante, durante todo o tempo em que estivemos no Sapucaial, que se prolongou das onze horas até a boca da noite. O nosso piloto manteve-se briosamente afastado das libações etílicas, conforme previamente acertado. Conversamos sobre passagens engraçadas de nossas vidas, posto que não víamos o Edson Paz há muitos anos, sem prejuízo de outros assuntos anedóticos, jocosos e aleatórios.
Em minha adolescência estive na fazenda São José, pertencente ao saudoso Júlio Paz, patriarca da família do Edson, onde passei alguns dias. Fui em companhia do amigo José Wilson de Oliveira Paz, sobrinho de dona Marica, esposa do senhor Júlio. Cedo da manhã nos dirigíamos ao curral, onde sorvíamos um grande copo de leite “mungido”, tirado na hora dos fartos úberes bovinos, espumante, forte, saboroso e saudável. Quando dava perto das dez horas íamos ao povoado Lagoinha, que ficava perto, deitar conversa fora e tomarmos algumas talagadas de pura calibrina serrana ou mesmo alguns copos de cerveja, que também havia.
Numa das noites fomos a um forró, que aconteceria na latada de uma casa um tanto afastada do povoado. Tivemos que ir a cavalo, em vereda que passava por dentro da caatinga. Contou-me o Edson Paz um episódio hilário que eu já havia esquecido: quando eu tentava montar o cavalo que me fora destinado a minha calça descosturou-se de forma vexatória e humilhante, diria, não fora a cueca que eu usava. Vesti uma outra calça, e fui enfrentar bravamente o forró interiorano, a que eu não era habituado. Tentei namorar uma cabrocha, mas as rurícolas daquele tempo eram muito desconfiadas e ariscas com relação aos rapazes da cidade.
Em nossa adolescência, eu e o Edson fomos tomar umas carraspanas em um boteco mais ou menos próximo da estação ferroviária de Campo Maior. Quando adentramos o barzinho, um rapaz que eu não conhecia, pediu-nos uma dose de pinga, acrescentando que em paga nos ensinaria a bebermos e a continuarmos “bonzinhos”, sem nenhuma alteração. O Edson, com a sua fleugma e humor britânicos, pediu ao rapaz que não lhe desse esse bizu ou dica, pois estaria jogando dinheiro fora, uma vez que se bebia era para exatamente não ficar “bonzinho”. Mesmo assim creio que pagamos uma dose para o “bem intencionado” e bisonho jovem.
Em outra ocasião, ainda em nossa juventude, presenciei o Edson evitar uma tragédia. Estávamos em um bar, iniciando as lides etílicas, quando um rapaz começou uma discussão com o proprietário do comércio, por causa de uma “desfeita” que este lhe teria feito há algum tempo. De maneira inesperada o suposto freguês sacou de um canivete e o encostou no pescoço do comerciante, na região de sua jugular.
O velho Edson, com a sua costumeira calma e presença de espírito, aproximou-se dos dois desafetos, que eram seus conhecidos, e passou a elogiar a pretensa beleza da pequena arma branca, dispondo-se a comprá-la, de modo a desviar a atenção do jovem de sua finalidade belicosa. Em frações de segundo, como num gesto de prestidigitação de hábil mágico, o Edson Paz conseguiu arrebatar o canivete, dando um final feliz a uma possível tragédia.
A casa do sítio Sapucaial fica no cimo de suave outeiro, de onde nos deslumbrávamos com bela e verdejante paisagem a perder de vista. Inicialmente ficamos à sombra de enorme mangueira. Depois, quando fomos abençoados por uma chuva mansa, nos abrigamos num dos alpendres do aconchegante solar.
A tarde transcorreu de forma agradabilíssima, recheada de outras lembranças interessantes, enquanto ouvíamos melodias que nos encantaram em nossa adolescência e juventude; que certamente embalaram as nossas danças e namoros, e que ainda hoje nos comovem. Além da música mecânica, tivemos também uma apresentação ao vivo do Zé Francisco, que, tendo esquecido seu amigo violão, enfrentou com galhardia um cavaquinho de nosso anfitrião, que lhe acompanhou com uma competente percussão pandeirística.
Embora o imóvel tenha sido adquirido por herança, o Edson Paz contou-nos que teve de trabalhar com afinco e muita determinação, ficando ali quase isolado, por vários meses ou mesmo anos, para lhe conseguir dar uma finalidade econômica, sobretudo com a instalação de uma granja, que sabidamente requer muito esforço e dedicação. Nessa brava luta teve a companhia e o apoio de Rosália, sua mulher. Seu mercado é a cidade de Castelo e as urbes circunvizinhas. Com o surgimento de concorrência, ele passou a achar mais viável adquirir frangos já prontos para o abate, e posteriormente para a venda.
No decorrer da conversa e dos discursos, ele nos revelou que também tinha como atividade econômica a venda de lenha, extraída de sua fazenda. Imediatamente, perguntei-lhe se essa atividade não iria devastar o imóvel. Todos sorriram, e me foi perguntado se eu pretendia denunciar o meu velho amigo ao IBAMA. Respondi que se tratava de mera curiosidade, claro. Entretanto, fiquei feliz e totalmente à vontade quando o Edson respondeu que produzia a extração da lenha de acordo com as recomendações desse órgão de defesa ambiental e com a sua devida autorização.


Ou seja, a sua atividade comercial era autossustentável, inclusive merecendo o elogio de ambientalistas. Em seguida, apontou para determinada parte da fazenda e disse que as árvores ali existentes já eram as restauradas ou replantadas. Sendo ele inteligente e um bom cidadão jamais iria degradar o seu terreno, matando dessa forma a sua “galinha dos ovos de ouro”.
Para concluir este registro, que já vai se alongando, direi que foi uma tarde memorável, inesquecível, em que degustamos um saboroso churrasco, ouvimos lindas canções, mantivemos alegre e interessante palestra, e tomamos um agradável banho em sua excelente piscina, mormente quando fomos saudados por uma chuva, que abençoava a encantadora paisagem florestal que da colina descortinávamos.

Como se tudo isso ainda fosse pouco, fomos aquinhoados, à boca da noite, com um lauto jantar, propiciado pela Rosália, esposa de nosso pródigo anfitrião, o insigne Barão de Sapucaial.    

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