Elmar Carvalho, poeta, escritor e jurista postou em seu blog uma homenagem ao José Olímpio da Paz Filho, falecido recentemente em Teresina, vejamos na íntegra:
"Através do e-mail abaixo, enviado pelo amigo José Francisco
Marques, tomei conhecimento do falecimento de José Olímpio da Paz Filho, grande
goleiro, sobretudo de futebol de salão, e professor aposentado da Universidade
Federal do Piauí:" (aspas pela blogueira).
“Mestre, transcrevo mensagem do facebook do nosso amigo
Flávio Bona:
‘Faleceu hoje em Fortaleza, o Ex-Presidente do COMERCIAL
ATLETICO CLUBE, JOSÉ OLÍMPIO DA PAZ FILHO; era filho do SAUDOSO JOSE OLIMPIO DA
PAZ E DONA DIANA José OLÍMPIO era
conhecido na juventude como ZERO, foi o melhor goleiro de futebol de salão de
Campo Maior. Era Caiçarino e depois foi ser Presidente do Comercial, através de
Dr Acélio Correia, Dr. Ernane e Milton Higino, foi goleiro do CAIÇARA e do COMERCIAL,
aqui mando os meus sentimentos a toda a FAMILIA de JOSÉ OLÍMPIO DA
PAZ FILHO.’"
Na minha adolescência admirei três grandes goleiros
campomaiorenses: Coló, Beroso e Zé Olímpio. Os dois primeiros, na opinião do
notável cronista esportivo Carlos Said, que também foi um grande golquíper,
atuando no River por muitos anos, estão entre os dez maiores goleiros do Piauí
em todos os tempos. Zé Olímpio foi o maior arqueiro de futebol de salão que já
presenciei jogando. Corajoso e arrojado, fazia excepcionais “pontes” em
rústicas quadras, duras e que ralavam mais do que lixa. Sobre ele, em meu livro
O Pé e a Bola, fiz o seguinte comentário: “No futebol de salão, Zé Olímpio
foi um goleiro extraordinário, que me despertou muita admiração e uma quase
pontinha de inveja, em razão dos seus saltos acrobáticos de gato maracajá.”
BEROSO X COLÓ
Elmar Carvalho
Desde
garoto, quando meu pai me levava a assistir as acirradas pelejas futebolísticas
entre o Caiçara e o Comercial, no estádio Deusdete Melo, em Campo Maior, passei
a admirar a ingrata e espinhosa posição de goleiro, em que as falhas costumam
ser fatais. É, portanto, a posição em que o atleta fica mais tenso e com os
nervos em frangalhos, pois um “frango” pode ser o estopim de uma derrota,
podendo o goleiro ser crucificado pela torcida e pelos seus companheiros, em
verdadeira execração pública.
Por isso
mesmo, tenho sido, ao longo de minha vida, um admirador dos fabulosos e
imortais goleiros Coló e Beroso, tendo certa predileção pelo legendário Coló,
não só pelo fato de ser eu um caiçarino, mas também pelo seu estilo. Talvez, em
decorrência dessa admiração, tenha me tornado um goleiro razoável, com atuações
quase sempre regulares ou boas, em que também perpetrei as minhas levitações
acrobáticas e ornamentais, em defesa de minha baliza.
Pelo que
consigo recordar e também pelo que tenho ouvido e lido, o Coló, magrinho, leve
como uma ave, tinha umas “voadas” excepcionais, em que exercitava toda a sua
elasticidade felina, projetando-se no espaço, para encaixar a bola em seu
peito, ou segurá-la em suas mãos hábeis e precisas, ou espalmá-la, desviando o
seu curso para fora de sua meta. Nessas “pontes”, conseguia arrancar aplausos
longos e entusiasmados da torcida caiçarina.
Nesses saltos ornamentais,
verdadeiras acrobacias circenses, muitas vezes estraçalhava os nervos de seus
torcedores, pois, quando o chute era propício, e a trajetória da bola o permitia,
esse goleiro estiloso simulava deixar a bola passar, para em seguida saltar
para trás e desviar o curso da bola, o que fazia a galera delirar e suspirar
angustiada, em virtude do susto. Tinha um defeito em um dos dedos da mão, que
não lhe permitia espalmá-la plenamente; entretanto, agarrava a bola com
segurança, como se tivesse mãos de onça ou tenazes.
Era um tanto nervoso, às vezes, nas
disputas esportivas, mas era quase sempre elegante no trato pessoal. Conta-se
que, em certa ocasião, irritado com a torcida, abandonou a meta, em protesto
contra a sua ingratidão e volubilidade. Amado e aplaudido pelos caiçarinos, foi
inventada uma modinha, muito conhecida no auge de sua carreira, cuja letra
dizia: “Coló quebrou a perna, / eu também quebrei a minha. / Coló colou com
cola / e eu colei com Mariquinha.”
Beroso, que
tinha esse apelido em razão de ser algo retraído, como se fosse um matuto,
tinha um estilo mais sóbrio, mais contido. Ao que tudo indica, procurava
controlar os seus nervos e emoções. Talvez fosse mais pragmático e objetivo em
suas atuações, procurando focalizar mais a defesa em si do que efetuar
“enfeites” em suas intervenções, embora, quando necessário, a exemplo de Coló,
também soubesse executar “vôos” extraordinários.
Segundo o grande craque Zé Duarte, um
dos maiores atletas campomaiorenses, esse lendário goleiro, em certa ocasião,
foi coberto por um lance. Instintivamente, esse arqueiro executou o
pulo-do-gato, arremessando-se de costas para trás, desviando o curso fatal da
bola, e efetuando uma cambalhota em pleno ar, para cair de bruços no chão, em
legítimo “salto mortal”, como se fora um acrobata circense.
Nessa época,
os guarda-metas se vestiam de preto: camisa de mangas compridas e calções.
Usavam um protetor branco, chamado suporte, que saía do calção e era dobrado
por fora, formando uma espécie de cinta, que dava uma elegância toda especial à
farda. Pelo que relembro, Coló e Beroso eram mais ou menos da mesma altura,
sendo o segundo mais encorpado. Tinham uma boa estatura para a época, o que
lhes dava uma boa presença e elegância em seus uniformes pretos.
Numa enquete
pessoal e sem os requisitos metodológicos e científicos de uma pesquisa
estatística, tenho procurado saber qual dos dois teria sido melhor arqueiro.
Nunca cheguei a nenhuma conclusão definitiva. Os torcedores do Caiçara “puxam”
um pouco para o Coló, e os simpatizantes do Comercial, evidentemente, acham que
o Beroso seria um pouco melhor. Ambos, creio, tinham aproximadamente a mesma
idade e atuaram na mesma época, anos 60 e começo dos 70. Talvez, para resolver
o imbróglio, com eqüidade e um tanto salomonicamente, fosse mais adequado
dizer-se que, em determinadas fases e partidas, um atuasse um pouco melhor do
que o outro, sendo certo dizer-se que ambos estão entre os melhores goleiros do
Piauí de todos os tempos.
Foram ícones incontestes de seus
times, aclamados e aplaudidos pelos seus fãs, que incendiavam as ensolaradas
tardes domingueiras de outrora, fase áurea do futebol campomaiorense, em que o
Estádio Deusdete Melo era um verdadeiro alçapão, onde os times forasteiros eram
implacavelmente massacrados e trucidados.
Carlos Said,
o Magro de Aço (mas aço inoxidável, acrescento), um dos melhores comentaristas
esportivos do Brasil, homem erudito na literatura, na vida e na história,
emérito divulgador do esporte e da arte literária piauiense, que igualmente foi
um grande golquíper, jogando no River por vários anos, afirmou-me,
categoricamente, que em determinada época o Coló foi o melhor guardametas do
Piauí. Sem dúvida, em consonância com o que já afirmei acima, no intuito de
resolver essa pendenga, o mesmo, suponho, poder-se-ia afirmar em relação ao
Beroso. Como se fosse algo semelhante às vidas paralelas de que nos fala
Plutarco, esses dois varões, mantendo o paralelismo biográfico, morreram sem
alcançar a velhice.
Diz a música
popular que morre o homem e fica a fama. Dizem que algumas pessoas não morrem,
ficam encantadas. Esses dois excepcionais atletas, transformaram-se em mitos do
futebol piauiense. Encantaram-se e se tornaram lendas do nosso futebol. Ou
viraram duas estrelas na constelação do firmamento esportivo piauiense.
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