Ontem
à tarde, pelo whatsapp da Fátima, recebi do professor Zé Francisco Marques a
infausta notícia de que o craque Vicentinho havia falecido. Ainda me
recuperando de uma pequena cirurgia, mais tarde, no blogue Super Campo Maior,
da jornalista Luselene Macedo, colho as seguintes informações:
“Vicente
Chagas do Nascimento, faleceu na manhã desta quarta-feira (07/08), em Teresina,
no hospital, onde estava internado há mais de um mês, em consequência de uma
pneumonia e há 15 dias ele sofrera um Acidente Vascular Cerebral AVC, que o
levou a óbito.
Vicentinho
tinha 76 anos de idade. Ele nasceu a 15 de janeiro de 1944, em Fortaleza,
Ceará. Foi casado com Luzia de Melo, de quem era divorciado e com quem teve
três filhos: João Henrique de Melo Nascimento (Professor de educação física no
Colégio Patronato N. Senhora de Lourdes), casado; Sheila Maria de Melo
Nascimento, casada, e Suderlan de Melo Nascimento (in memoriam). Deixou 6
netos.
(...)
Vicentinho
não perdia um jogo no Deusdete de Melo. Fosse Caiçara ou Comercial, lá estava
ele nas arquibancadas, misturado com os torcedores caiçarinos; mas, sempre
atento aos lances dos atletas dos dois times do seu coração.”
Nas
décadas de 60 e 70 do século passado, foi craque do Caiçara e do Comercial.
Creio que receberá homenagem desses dois times do futebol campomaiorense.
De
um artigo de Carlos Said, que amanhã republicarei na íntegra em meu blogue,
retiro a seguinte informação: “Em dois anos: 1966-1967, o Ferroviário da
“Princesa do Sul” apresentou ao público o famoso Vicentinho, cantado e
decantado nos livros de Janclerques Marinho de Melo: “Crônicas Flutuantes
(Lendas e Ruas)”. Na estampa da página 54, Janclerques escreveu: “Em todos os
jogos do “Ferrim”, os jogadores Lino, Sadica e Vicentinho, davam “show” de
bola. Mas o maestro da equipe era mesmo o Vicentinho”.”
TRIBUTO AO CRAQUE
VICENTINHO
Elmar Carvalho
Outro dia, fiz um périplo, em
companhia de meu irmão Antônio José e do professor José Francisco Marques,
pelos arredores de Campo Maior. Pelos arrabaldes, como se dizia outrora. Fui em
busca das recordações de minha adolescência tão emotiva e tão sentimental.
Mergulhei onde fora o balneário da Primavera. Recordei as belas moças em flor de
então, que ressurgiram em minha frente, no apogeu de sua beleza adolescente,
como ninfas encantadas, que tanto me deslumbraram nos meus tempos juvenis.
Talvez
não mais as deseje rever, para que permaneça indelével, em minha saudade e em
minha memória, toda a beleza da graça feminina, que o tempo inexoravelmente
deve ter transformado. Certamente, essa beleza continua em suas filhas e netas,
transmitida pelo bastão de revezamento da sucessividade das gerações. Esquecido
balneário da Primavera, onde tantas belezas floriram, onde tantas graças do
adolescer desabrocharam para o encantamento de minha já distante juventude.
Como diria o poeta, a saudade jorrou-me em ondas... Resistir, quem há-de?
De lá, de volta para a casa de
meus pais, vi o velho Estádio Deusdete Melo, onde atuei como goleiro, em
escassas ocasiões, e de cujas arquibancadas vi os voos magníficos dos
inexcedíveis goleiros (e meus mestres) Coló e Beroso, que pareciam desafiar a
lei da gravidade, em sua elasticidade felina, em suas “pontes” ornamentais, que
classificaria hoje como pontes estaiadas, belas, monumentais e precisas em sua
eficácia. Naquela velha praça esportiva, os grandes craques do passado
executaram suas bem urdidas jogadas, e perpetraram gols que arrancaram aplausos
e urros da torcida em delírio.
Resolvi tomar umas
talagadas de calibrina em um barzinho das imediações, que era
circunstancialmente frequentado pelo meu saudoso cunhado e amigo Zé Henrique,
como uma homenagem saudosista a ele, em cuja companhia, várias vezes, fiz esses
périplos suburbanos, evocativos de um tempo que jamais voltará, mas que insiste
em se manter vivo, como um imortal vampiro do bem.
Do boteco, eu via o entorno da
barragem. As grandes, belas e sempre verdes árvores do horto florestal. Vi a
brancura distante da vetusta igreja do Rosário, a contrastar em suas linhas
retas, severas, com as curvas arredondadas, circulares da caixa d’água, também
de um branco imaculado, ao menos da distância em que eu a via.
De repente, provindo de umas
pessoas que haviam chegado a uma grande sombra defronte, proporcionada por uma
frondosa e avantajada árvore, vieram lindas melodias, de minha predileção. Logo
soube que quem as escutava, da sombra esverdeada, era o imortal craque
Vicentinho, autor de refinados dribles, executados em desconcertantes
malabarismos de um atleta que era um virtuose em sua arte futebolística. Sabia
de sua doença. Sabia que, hoje, ele mal consegue caminhar, com ajuda de
acompanhante, ele que fora tão ágil e tão veloz.
Ele
que fora, em sua destreza certeira e implacável, um dos mais exímios cobradores
de falta, sobretudo pênalti, um verdadeiro algoz e fuzilador de goleiros. Fui
cumprimentá-lo e lhe render minhas homenagens, eu que no meu livro O Pé e a
Bola cometi uma imperdoável, conquanto involuntária, injustiça para com esse
magnífico craque, ao omitir o seu nome. Certamente, que a injustiça já se
encontra sanada, para o caso de uma segunda edição, pois inseri o seu nome no
texto, em letras capitulares e de ouro, através do destaque que lhe dei e que
ele bem merece.
Quando precisou levantar-se da
cadeira, vi, da distância em que me encontrava, uma bela e jovem mulher, não
sei se filha ou neta, pegar-lhe a mão, e delicadamente ajudá-lo a erguer-se. O
velho craque levantou-se com dificuldade, girou lentamente o corpo, moveu os
pés que não mais lhe querem obedecer, e ensaiou um passo com muito esforço.
Mas, em meu pensamento, nada disso acontecia.
Para
mim, o velho craque Vicentinho dançava, lépido, fagueiro e elegante, uma
saltitante e linda valsa, ou executava o “paso doble” de rocambolesca e
dificultosa dança espanhola, com uma linda moça que lhe conduzia e era por ele
conduzido, em perfeita integração, como tabela de grandes craques, ou então
perpetrava uma inigualável, perfeita, destra e desconcertante jogada,
verdadeiro balé, que arrancava delirantes e ensurdecedores aplausos da torcida.
Inevitavelmente, pareceu-me
ouvir, vindo da vitrola de um outro tempo, das ranhuras de um antigo disco de
vinil, arrancado das areias de esquecidas ampulhetas, a música Balada nº 7, de
Moacyr Franco, que fala de um velho craque, num estádio vazio, na ilusão
inglória de uma torcida imaginária, a recordar as suas belas jogadas do
passado, aplaudidas em frenesi por fanáticos torcedores, como um tributo a um
deus da bola e das arquibancadas.
Em silêncio, sem um gesto sequer,
aplaudi, em meu coração e em minha lembrança, o exímio craque Vicentinho, cujas
jogadas ainda são repetidas no vídeo tape da memória e da saudade dos
torcedores, e pelos craques que aprenderam as magistrais lições do velho
Mestre.
Vicentinho ladeado pelo Professor Zé Francisco e poeta Elmar Carvalho ELMAR CARVALHO, juiz aposentado, escritor, cronista, poeta e campo-maiorense, radicado em Teresina,capital. |