sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

UMA FÁBRICA DE MENINOS

 (Por Jacob Fortes. 23.12.216).
(este texto encerra homenagem, póstuma, aos pais do autor).
Transcorria janeiro de 1930 quando consumou-se — pela ação sacramental do pároco daquela freguesia longínqua —, o conúbio entre os jovens José Faustino de Carvalho e Luiza Fortes de Carvalho. Por gosto ou promessa, os recém-casados deliberaram dedicar-se ao fabrico de meninos. Nesse propósito se houveram muito bem, mas a fábrica não fora tão pródiga quanto almejavam: apenas 21 filhos em 25 anos. Apesar do feito, que ecoou à larga por aqueles rincões sertanejos, não obtiveram a classificação para o pódio. O título de campeão coube a um vizinho de José, o Senhor Antônio, que atendia pelo apodo de “Antônio Pequeno”: 25 filhos em 25 anos. Imagine se esse homúnculo acudisse pelo apodo de “Antônio Grande”.

Por causa dessa fartura de meninos os batismos e respectivos registros cartoriais de nascimento eram feitos no atacado, não no varejo como se opera atualmente. Se nessa época existisse Herodes não estaria eu, produto dessa lavra de vazante fecunda, pondo em relevo essas memórias particulares. Se, naquela época, Jesus ainda fosse uma criança teria, quiçá, se juntado a essa chusma de petizes; buliçosa, inquieta ao estilo das luzes intermitentes de uma árvore de natal. Mas a sentença profética é incontornável: “tudo que foi composto será decomposto”, tudo que foi construído será destruído. Quando a memorável vivenda, (onde transcorreu a infância deste escriba) ostentava o parque de diversão da trêfega confraria menineira, os seus habitantes tiveram de arribar; partiram para a zona urbana à cata de novo abrigo.
Cumpria-se o fadário do sertanejo: abandonar os estratos inferiores do campo e engrossar a borra suburbana. A vivenda transfigurou-se; foi-se esboroando até que sua tapera, em estado sepulcral, fora lacrada por uma campa vegetal, uma floresta catingueira, hoje exuberante campão de mato.
Embora a escassez daquelas eras tenha infligido severas vexações aos buchos que ali coexistiram, essa miséria material (irrelevante aos que viviam metidos no ofício da distração) não se prestou à desvergonha, não se atreveu a semear grãos eivados de miséria moral entre os que foram talhados por aquele molde único. Sobrerrestou, pois, incólume, o legado ímpar: a grandeza do exemplo.
A vocês, meus amores, — cujas lembranças (cheias de melodias e de eternidade) me servem de bálsamo ante os revezes da vida —, ofereço-lhes este decassílabo, da autoria do poeta Sebastião Dias. Dedico-o, também, ao engenheiro Antônio Fortes, coetano deste escriba, que vela sua saúde no Rio de Janeiro (e que ama o seu jardim de infância como o cisne a seu lago).
“{...} O amor é oferta recebida
No divino altar da Santa Sé
Pra casal que se ama a vida é
A vazante reprodução da vida
Que começa na sombra da guarida
Entre os dois que respeitam a união
Mas além do casal os filhos são
Os produtos de lavra da vazante
O amor é um pó fertilizante
Adubando as raízes do coração {...}”

Nenhum comentário:

Postar um comentário